Alguém já ouviu a teoria mais difundida sobre a extinção dos
dinossauros?
Versa sobre um provável meteoro que teria se chocado com nosso
planeta. E contam que levantou uma tal nuvem de fuligem e pó que, sem a luz do
Sol, os dinossauros acabariam por ser extintos.
Já tentou imaginar esta cena? O planeta inteiro envolto na mais completa escuridão, sem
forma e vazio?
Pois retenha esta imagem, porque é dela que nós partiremos
numa viagem muito interessante. Uma viagem aos primórdios da vida na Terra, sob o ponto de
vista de um povo muito antigo.
Ah, ainda falta um detalhe. Você está com a imagem da propensa escuridão em mente? Então acrescente água à nossa receita. Muita água. Mais água. Até que o planeta esteja totalmente submerso. Literalmente um planeta água. Inóspito, aquoso e envolto na mais densa bruma de escuridão
que se possa imaginar.
Imaginou? Então estamos prontos para ingressar em nossa viagem.
No princípio criou Deus os céus e a terra. (Gênesis 1:1 *)
Não vamos entrar no mérito da discussão acirrada sobre a
existência ou não deste Deus criador. Vamos apenas tomar a suposta existência dele como premissa
básica, para que possamos entender o ponto de vista do escritor deste relato e
quem sabe identificar as implicações que sua crença teriam na narrativa.
Há um equívoco recorrente em que dão conta de que o Deus da
narrativa teria criado o universo em seis dias, fossem literais de 24 horas, o
que é improvável, fossem por longos períodos que os hebreus também pudessem
chamar de Yohm. O relato da criação do Universo na realidade começa e
termina neste simples versículo. Quando os seis períodos começam a contar, o Universo já existe.
A partir do relato em si é impossível deduzir quanto tempo
poderia ter se passado desde este bum criativo e o momento em que o Deus voltou
sua atenção para um planeta quase insignificante do sistema solar a fim de
povoá-lo. Os cientistas estimam um tempo na casa dos bilhões de anos. Talvez nunca saibamos ao certo.
Mas isso não importa para nossa epopeia. O que conta é que em dado momento o criador voltará sua
atenção para o terceiro planeta do sistema solar, e só então começarão a contar
os seis períodos de tempo que mudarão para sempre a face do universo.
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face
do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. (Gênesis 1:2-3)
Lembram da imagem que guardamos do planeta inóspito, sem
forma de vida, envolto em escuridão?
O narrador acaba de nos colocar nele, e é a partir deste
ponto de vista privilegiado ao nível do mar que assistiremos o desenrolar dos
próximos eventos. Não de uma arquibancada distante na imensidão do universo,
mas dentro de campo, no meio do turbilhão dos acontecimentos.
O pontapé inicial é dado quando o Deus ordena que "Haja
Luz" neste pequeno planeta.
Existem duas maneiras de se entender esta ordem. A primeira é transcendente, como simbolismo da intenção do Deus em
iluminar sua criação com as mais variadas formas de vida. A segunda é a literal, se nos lembrarmos que estamos aqui mas
não vemos nada ainda, pois estamos envoltos em escuridão.
E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. (Gênesis 1:4-5)
Mas, como ainda veremos, a luz não se revela em toda a sua
exuberância imediatamente para nós. O denso neveiro composto talvez por fuligem e pó resultante daquele primeiro ato criativo descrito no primeiro versículo aos poucos começa a se dissipar ao ponto em que
em meio a um lusco-fusco difuso, já podemos diferenciar o período do dia da
noite. Mas a rigor, ainda não tem sol na Terra.
E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja
separação entre águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que
estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim
foi. E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o
dia segundo. (Gênesis 1:6-8)
Ao passo que observávamos os acontecimentos com a respiração
suspensa, nem nos demos conta de que não poderíamos respirar mesmo que
quiséssemos. Porque o planeta sequer tinha uma atmosfera respirável. Foi agora, ao serem movimentadas as imensas massas de água
que recobriam o planeta inteiro, que se formou uma atmosfera talvez ainda primitiva,
porque nos falta um detalhe importante. E o Deus fez que partes das massas de água ficassem
suspensas, em órbita, acima da atmosfera terrestre, preparando assim a Terra para o próximo passo que redundaria de suma importância para as pretensões do propenso
criador - A formação das porções secas de terra.
E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num
lugar; e apareça a porção seca; e assim foi.
E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das
águas chamou Mares; e viu Deus que era bom. E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê
semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está
nela sobre a terra; e assim foi. E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua
espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e
viu Deus que era bom E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro. (Gênesis 1:11-13)
Ah, agora sim. Temos luz, ainda que bastante difusa, temos água, temos terra seca. Enfim temos o ambiente ideal para a formação das primeiras formas de
vida. Os seres vivos do reino vegetal com suas peculiaridades se mostrariam de
fundamental importância na preparação deste planeta para as próximas etapas. Imediatamente eles começam a fotossíntese, como é de sua característica, aproveitando a luminosidade que aumentara na medida em que a atmosfera fora lavada pela movimentação das
imensas massas de água no período preparatório anterior. Com isso passam a produzir um item vital aos seres vivos na Terra, ao mesmo tempo em que terminam o trabalho de limpeza da atmosfera.
E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para
haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos
determinados e para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a
terra; e assim foi. E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para
governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas.
E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra, E para governar o dia e a noite, e para fazer separação
entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia quarto. (Gênesis 1:14-19)
Finalmente a luz em toda a sua plenitude.
Mas vejam bem! Não é que o Sol, a Lua e as estrelas tenham
sido criados agora, não. Mas daqui onde estamos, ao nível do mar, nós não podíamos vê-los, por
causa da nebulosidade. Como num dia chuvoso em que costumamos dizer que não há sol,
mesmo sabendo que ele está lá, escondido pelas nuvens, na terra não havia sol ainda. Então o Deus ao dizer "haja sol na expansão do céu [da
Terra]", torna os astros visíveis para quem esteja aqui no solo. Vejam que ele não diz "haja sol na imensidão do espaço", mas sim "na expansão do céu" para que o vejamos da Terra. Agora sim, o Sol está visível para nós, que estamos aqui
assistindo. Conta então que o Deus fez dois grandes luminares para que no futuro
possamos contar a passagem do tempo. Não que os tenha feito agora. Eles foram feitos lá, naquele primeiro versículo, junto com
os "Céus e a Terra". Agora que eles estão por assim dizer postos na expansão
do céu, ou seja, agora que estão visíveis para nós, o Deus revela a utilidade prática
deles, além da evidente fonte de iluminação da Terra, sem a qual a
sobrevivência do próximos habitantes seria impossível.
E disse Deus: Produzam as águas abundantemente répteis de
alma vivente; e voem as aves sobre a face da expansão dos céus. E Deus criou as grandes baleias, e todo o réptil de alma
vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies; e
toda a ave de asas conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e
enchei as águas nos mares; e as aves se multipliquem na terra. E foi a tarde e a manhã, o dia quinto. (Gênesis 1:20-23)
Evidentemente estas não são as primeiras formas de vida na
Terra. As primeiras foram formadas lá no terceiro período
preparatório. Mas parece ao menos coerente que as primeiras formas de vida
semovente deste planeta quase inteiramente feito de água, sejam
formados justamente no ambiente aquático, seguidos de perto das criaturas
voadoras, o que inclui também as diversas espécies de insetos.
(O idioma hebraico não tinha palavras específicas
para designar aves ou insetos, répteis e etc. Referiam-se a todos genericamente como
criaturas aladas, ou que rastejam, ou que andam na terra, e assim por diante conforme sua forma de locomoção)
E disse Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua
espécie; gado, e répteis e feras da terra conforme a sua espécie; e assim foi. E fez Deus as feras da terra conforme a sua espécie, e o
gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e
viu Deus que era bom.
Agora as criaturas passam a povoar a terra seca. Está tudo pronto para o ápice de todo este processo que
começou há seis períodos preparatórios atrás. Nem parece mais aquele planeta em que viemos parar ainda há
pouco. Agora sim temos um planeta habitável, plenamente preparado
para receber seu administrador. Aquele para quem tudo isso foi preparado desde o momento em
que os períodos preparatórios começaram a ser contados.
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre
o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou. (Gênesis 1:26-27)
Ao passo que o Deus forma o homem, determina qual é sua
função na Terra, respondendo pelo ponto de vista dos hebreus um dos maiores
dilemas filosóficos da humanidade. O porquê de estarmos aqui. Segundo o relato dos antigos hebreus, nós estamos aqui para
administrar tudo o que foi feito ao longo destes seis períodos. Cuidar da terra e de seus recursos e liderar as demais criaturas, ordenando-as na
ocupação e no melhor aproveitamento do planeta. Para a desincumbência desta missão foi dada ao homem e a sua
parceira uma característica essencial. O ser humano foi feito a imagem e semelhança do Deus, sendo
capaz de tomar decisões próprias, seguindo seu próprio arbítrio.
E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e
multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do
mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê
semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há
fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento. E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a
todo o réptil da terra, em que há alma vivente, toda a erva verde será para
mantimento; e assim foi. E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom;
e foi a tarde e a manhã, o dia sexto.(Gênesis 1:28-31)
E assim terminamos nossa viagem não sem antes concluir adequadamente a
narrativa com a parte que foi inadvertidamente colocada pelo classificador dos
livros no segundo capítulo, quando ele claramente trata da conclusão deste
primeiro relato.
Assim os céus, a terra e todo o seu exército foram acabados.
E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera,
descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele
descansou de toda a sua obra que Deus criara e fizera. (Gênesis 2:1-3)
(*) Todas as citações bíblicas foram extraídas da Versão de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada, pela Sociedade Bíblica Brasileira - SBB
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Fique à vontade para emitir sua opinião ou dar uma sugestão, lembrando que você é responsável por aquilo que escreve. Postagens que contenham apologia ao crime, incitação à violência e ao preconceito explícita ou veladamente poderão ser deletadas a critério do editor.
Obrigado pela participação.